terça-feira, janeiro 16, 2007

O melhor de dois mundos

Existem os católicos e os outros. Todos os outros que ainda que pautem as suas vidas por princípios morais, não necessariamente católicos, mas igualmente pontilhados de justiça e amor ao próximo são para todos os católicos o saco onde cabem todos os que não partilham das mesmas ideias e logo são conscientes pretendentes ao inferno.
Os inquisidores gerais deste país, grandes responsáveis pela consciência global, têm vindo a falar muito sobre o aborto. Afinal o aborto não passará de pena de morte ou de terrorismo, mas também já sabíamos que o homem está manchado de pecado pelo simples facto de ter nascido e a justiça dos homens é o que é, mesmo que sejam homens de fé, para os quais a pena de morte já se justificou amplamente no passado.
Não posso deixar de achar interessante como seres assexuados se preocupam tanto com a sexualidade dos outros, como se à partida pudessem saber do que se trata. Provavelmente sabem e ficaram enjoados (acontece aos melhores). Mas enfim, aquilo que me parece mais interessante nesta questão é perceber como a generalidade dos católicos mais conservadores ou beatos, pretende impor a sua visão moral a um Estado laico, sobre o que para eles é um absoluto moral, o direito à vida, e no entanto não pretendem seguir as vastíssimas indicações morais da igreja católica sobre a sua vida.
Afinal o sexo é bom, todos sabemos isso. É bom antes, depois ou durante o casamento. O preservativo pode ser, antes, durante e depois de qualquer engate numa de one night stand. A noiva deve ir de branco e flor de laranjeira, apesar de já desvirginada. O Aborto é que não pode ser. Especialmente para os outros, pois qualquer católico não hesitará quando o problema lhe bater à porta a ponderar, pelo menos ponderar, esta possibilidade.
É o melhor dos dois mundos. Lemos a cartilha da santa madre igreja e decidimos aquilo que queremos optar por cumprir. Para certas coisas aceitamos a evidência da revelação da palavra do Senhor e sobre outros assuntos achamos que se calhar a igreja está a ser muito conservadora e castradora das nossas vontades individuais e se calhar é melhor não levar muito a sério a palavra do senhor.
Os vícios privados são sempre mais saborosos, precisamente por sempre privados, e em público podemos continuar a alimentar a ideia das nossas fantásticas virtudes. Podemos continuar a querer impor a nossa moral aos outros, porque temos a certeza que poderemos continuar a fazer o que entendermos em privado, sem que ninguém nos incomode particularmente até porque temos poder de compra.
Pelo caminho fazemos todos de conta que este é um país 99% católico porque a hegemonia é uma coisa que fica sempre bem nas estatísticas, e vamos levando as nossas vidinhas.
O problema está em que eu, e outras pessoas como eu, não demos mandato a ninguém para que resolvesse impor uma consciência colectiva do que está certo ou errado de acordo com a sua bitola. Demos um mandato para que se decidisse pôr um fim a este assunto e queremos que este referendo o permita fazer.
As mulheres portuguesas não querem ir a correr para os hospitais fazer abortos. Nem a liberalização legal desta matéria impõe qualquer tipo de comportamento a uma portuguesa que seja. Apenas se pretende ter uma lei que o permita fazer até às 10 semanas, sem que isso seja uma violação da lei do país, da lei moral de alguns e motivo de chacota ou descriminação, até porque muitas vezes colocam em risco a sua própria vida.

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