Existe uma luta permanente dentro de nós entre a consciência da nossa mortalidade e a grandeza do nosso espírito. Todos, mas todos sem excepção, almejamos a algo mais do que temos. É uma característica da humanidade que aos poucos nos tem empurrado para mais longe, muito embora nem sempre nas melhores direcções.
Depois há os que de entre nós se destacam nas mais variadas profissões e artes. Pessoas de uma maior sensibilidade, mas principalmente de uma visão que não está disponível para todos.
Aqui em Portugal temos alguns, mas como a nossa maior virtude é o chico-espertismo, temos tendência a ignorá-los ou até a maltratá-los, olhando-os de lado porque se pretendem destacar num país que condena todos aqueles que querem levantar a cabeça.
Tudo isto até ao momento em que alguém se torna providencial ou é reconhecido no estrangeiro com um prémio. Nessa altura tudo é diferente e essa pessoa até aí quase desprezada, atinge o nível de vaca sagrada. E há muitas neste país.
Mas o problema das vacas sagradas não são os próprios, mas sim a legião de acólitos que ao seu mais leve gesto, ocorrem a discorrer verborreia vária, contra os detractores do mestre.
É o caso de Saramago. Eu leio-o e apesar de alguns amigos acharem que me dedico demasiado ao Nobel, já o lia antes de ele o ganhar e não se tornou uma referência maior na minha vida por ter ganho o Nobel. Que bom para ele que o ganhou e que bom para a língua portuguesa onde nenhum escritor antes tinha ganho este prestigiado prémio. Nem sequer é o meu escritor português favorito, mas não haja dúvida que é importante.
Agora, daí a considerar-se imediatamente como verdade absoluta tudo o que senhor diz, não me parece que seja útil a um país que se quer inteligente.
A violência da defesa das palavras de Saramago, como na semana passada no DN, por
Ferreira Fernandes, só tem paralelo na violência das acusações.
A ideia peregrina de que Portugal e Espanha se devem unir em torno de um projecto ibérico não só é disparatada, como carece de qualquer fundamentação. Não é porque um homem que geralmente vê mais além do que o comum dos mortais sonha, que esse sonho se torna uma inevitabilidade. Até porque este homem já sonhou outros mundos e outras uniões, com as quais grande parte dos portugueses não se identifica. Muitos dos jornalistas do DN no PREC, lembrar-se-ão da direcção de Saramago, para um mundo novo.
Não é um sacrilégio sonhar-se nem, nem assim tão essencial criticar-se. O que é essencial é o exercício da livre opinião que nos opõe uns aos outros como homens livres. E nessa medida eu não concordo com o Saramago e posso discutir com ele porque não concordo. Ainda assim não me parece que isso deva ofendê-lo ou a toda a legião de seguidores que serve o Nobel.