Este é um país de contrastes demasiado fortes para o tamanho e a população que temos. Uns são demasiado ricos e outros demasiado pobres, uns trabalham muito outros nem por isso, Uns são mais instruídos e outros não tiveram essa possibilidade, alguns têm acesso facilitado aos hospitais e podem pagar pelos melhores tratamentos e outros demoram demasiado tempo a chegar e são mal servidos.
Como não poderia deixar de ser a realidade difusa da Administração Pública comporta a maioria destes contrastes. O Governo anunciou aquilo que para já prefiro chamar um processo de intenções da reforma da Administração Pública, e aparentemente é inquestionável a urgência desta reforma.
É fundamental recriar as bases do que se pretende que o Estado seja para os seus cidadãos numa lógica em que o acesso e o serviço seja cada vez melhor e de preferência mais eficaz e logo mais barato para todos os que necessitam (e somos mesmo todos) da administração, mas também para aqueles que por lá trabalham.
Nestas alturas agitam-se sempre questões sociais mais ou menos determinantes sobre o papel dos funcionários públicos, sobre as suas tarefas e o seu rigor, mas quase nunca sobre os que os dirigem. Fundamentalmente fala-se muito sobre a necessidade de tantos funcionários numa máquina pesada e muito mal oleada que se por acaso se tornar mais eficaz não necessitará de tanta gente.
Faz sentido fazer convergir três iniciativas diferentes no mesmo período, pois elas são complementares. A simplificação administrativa, a reforma da Administração Pública e a redefinição, ou definição mais rigorosa, da divisão administrativa do país, são medidas essenciais a um outro processo que tarda a iniciar-se que é a própria redefinição absoluta das funções, competências e responsabilidades do Estado por oposição às vulgares medidas avulso que ocasionalmente enchem os cabeçalhos dos jornais.
Tornar mais simples, cortar onde não faz falta, realocar e formar para onde é necessário e fazer corresponder essas alterações às verdadeiras necessidades das populações divididas por regiões previamente definidas de forma clara, não me merece qualquer reparo.
Fazer desaparecer 187 serviços do Estado baseado num estudo realizado por técnicos da própria casa, prestigia o trabalho da Administração Pública e é um muito bom sintoma que 37 destes serviços a extinguir o sejam na dependência directa do Conselho de Ministros onde a maioria destes servirá os ministros e não a população em geral.
Redefinir com ou sem regionalização política, as regiões administrativas do país de forma a que seja possível todos os serviços do estado falarem a mesma língua e permitir reconhecer necessidade específicas de cada região e de cada grupo populacional, parece inteligente e é uma boa forma de gerir um Estado com recursos limitados, ainda que a regionalização politica possa não vir a ocorrer.
Mas naturalmente que este tipo de reformas tem custos. E muito provavelmente os principais prejudicados serão os milhares de funcionários públicos que terão de ser movimentados entre serviços e terão de se adaptar a novas realidades. Mas não vale a pena regatearmos o que é fundamental. Haverá pessoas que terão de sair da administração pública caso seja séria a intenção de levar à frente estas reformas.
Estas pessoas continuarão a ser um encargo para o estado através das reformas ou dos subsídios que vierem a obter ou das indemnizações que vierem a ser pagas, mas este tipo de custo social só poderá tornar-se suportável se for claro nas intenções do governo o caminho a que levam estas reformas.
Sim, é preciso reformas, nem sempre porque o Estado falhou nas suas obrigações, mas muitas vezes porque simplesmente abandonou os mais variados sectores ao seu próprio destino. Agora que se pretendem mexer é importante que a lógica economicista do emagrecimento da Administração não coloque em causa princípios básicos de serviço público que todos queremos continuem a verificar-se. Que mais do que queremos, é fundamental continuarem a existir num país genericamente pobre.
O custo das reformas pode ser suportável se na saúde se assegurar uma reforma que permita o acesso tendencialmente gratuito, em condições de qualidade compatíveis com o sector privado e com a disponibilidade geográfica razoável ainda que isso implique prejuízo para o estado.
O custo das reformas pode ser suportável se os portugueses puderem recorrer à justiça em condições de igualdade em relação aos mais ricos e souberem que em tempo útil podem ver resolvidas as suas questões, e acima de tudo tiverem a confiança que o sistema não permitirá a devassa das suas vidas privadas por razão de capricho.
O custo das reformas pode ser suportável se as famílias portuguesas puderem contar com um sistema de educação em que possam confiar e sobre o qual tenham uma razoável previsibilidade sobre o sitio onde os filhos vão estudar, sobre a qualidade dos professores que os educam ou sobre os sucesso pedagógico dos programas.
O custo das reformas pode ser suportável se o estado permitir ou facilitar a vida ao investimento privado e à livre iniciativa aonde ela é mais fundamental, nas pequenas e médias empresas que compõem 90% do tecido empresarial português.
O custo das reformas pode ser suportável se continuar a existir previsibilidade sobre as regras de regulação do trabalho ainda que estas possam ser dotadas de maior flexibilidade.
O custo das reformas pode ser suportável se os portugueses puderam continuar a ter a certeza que existirá uma reforma justa no final da sua vida de trabalho.
O custo das reformas pode ser suportável se Estado pretender manter as prestações sociais essenciais ao combate à pobreza e à descriminação.
O custo das reformas pode ser suportável se todas estas e muitas mais responsabilidades do Estado se mantenham, sem que a elas esteja ligada uma lógica do lucro mas sim da eficiência.
Caso contrário não valerá a pena o sacrificio.
1 comentário:
Este teu post é bom.
Dá azo a uma discussão profunda e põe à "flor da pele" a pureza da discussão política essencial em Portugal (ou em qualquer outra democracia ocidental).
É difícil, num "comment", dizer algo de forma completa, ou seja, que analise de forma global o teu post.
No entanto, deixo algumas "achas":
1º "Reformar" é diferente de "manter", aliás, dificilmente consegues compatibilizar estes dois termos!
Digo isto, porque, no fim de lermos o teu post, estas são as duas palavras que SALTAM.
quem Reforma tem de alterar, tem de "mexer", em privilégios, status quo...mesmo que aparentemente se perca algo.....mas que haja um rumo ...um objectivo..e que no final se ganhe . Mas, quem ganhe que seja a SOCIEDAD. Mais precisamente que o resultado seja: "um benefício social líquido!
2º Não concordo com o alinhavado por ti, nomeadamente em termos de Saúde...mas isso é muito complexo para escalpelarmos aqui. A Saúde é um bem público de "contra-senso" por isso ser difcil a análise;
3º o Partido Reformista em Portugal é claramente o PSD, logo, por este post diria que tu és "laranjinha";)!.. Sócrates parece querer "ir por aí"...mas tal como Tudizes o PS é que é Social-Democrata. Mas para isso, temos de reformar primeiro, não é?
Vamos ver...dexemos o Homem trabalhar ;))
Enviar um comentário