quarta-feira, setembro 19, 2007

Um rio de cultura atomatada (1)



Valência não tem tomates. Antes tivesse, ou se calhar até tem, mas apodreceram... É a única forma de se conseguir explicar o inexplicável odor que se faz sentir em toda a cidade. Ou os tomates podres ou então o “rio” Túria… Esse elixir de brisa fluvial…
Confesso que Valência foi das cidades que mais me custou orientar-me antes de lá chegar. Tenho por hábito andar a fazer umas pesquisas pela net, já saber os principais locais das cidades que visito e a melhor forma de me movimentar por lá. Com valência isso foi quase impossível, apesar da abundante informação que existe no site de turismo lá do burgo.
Até é normal. Valência é uma cidade muito antiga. Segundo parece já toda a gente por lá andou. Ele foi fenícios, romanos, muçulmanos e por fim aragoneses e espanhóis. Depois a cidade tornou-se um grande porto marítimo, uma capital comercial e ao mesmo tempo uma grande confusão labiríntica, que sem a “preciosa” ajuda de um terramoto ou de um incêndio como em Londres, conseguiu chegar aos nossos dias. Só no início do séc. XX se criaram grandes avenidas arrasando-se pelo caminho uns quantos conventos.
Mas é impossível não se ficar confuso com a cidade. Toda a sua documentação refere um rio, o rio Túria, para além de constantes referências à herança marítima da cidade, até porque recentemente foi palco da America’s Cup. Mas uma pergunta assalta-nos o espírito, logo a seguir à pressão dos 42º centígrados, onde raio é que está a refrescante água que permite estes gajos terem um slogan que anuncia “Valência – um Rio de cultura”? Será que o rio é um sentido metafórico-cultural?
Não, não há mesmo rio. Ou melhor já houve. Mar nem vê-lo (mas já lá vamos). Como percebemos mais tarde, o rio Túria continua a estar oficialmente no seu sítio, só que a água foi desviada para fora da cidade depois de umas enchentes na década de 60 do séc. XX. Agora tem o pomposo nome de Antiguo cauce del rio Túria (antigo leito do rio Túria) e por lá nasceram jardins e campos de futebol para os valencianos passarem os tempos livres. O Rio, esse foi despromovido e obliterado para uma sinistra coisa chamada colector sur, no fundo um esgoto.
Que força é esta que movimenta uma cidade a prescindir do seu rio? Que coisa estranha para acontecer na segunda metade do séc. XX, e que provavelmente é a responsável pelo calor inexplicável e o odor inaceitável que paira pela cidade. Ainda mais estranho é que o leito do rio não foi preenchido, passando a fazer parte do tecido urbano normal. Continuam a manter-se todas as pontes e todos os cais de embarque das margens. Mas o mais psicótico é continuarem a construir-se pontes sobre o “rio”, ainda que por baixo se instale uma estação de metro no leito… Não me parece nada normal este tipo de comportamento. É uma espécie de dor de membro fantasma. Cortaram o rio, mas continuam a senti-lo...



Sem comentários: