Posso dizer que conheço bem a margem esquerda do Guadiana. Aliás a minha própria infância confunde-se com a interminável história da barragem do Alqueva. Muitos foram os feriados e dias santos em que se caminhou ao ex-libris da região ou à
barca (local onde anteriormente funcionava uma barca antes de haver ponte), simplesmente para ver a paisagem ou para ver a água que entretanto galgava o paredão que por lá tinha ficado. Sempre houve muitas expectativas sobre o papel da barragem no desenvolvimento local e muito especialmente sobre o seu impacto na alteração dos hábitos agrícolas para culturas de regadio. Como sempre muito se discutiu. Se devia construir-se, que cota deveria ter, se era possível salvar a aldeia da luz, se os morcegos iam sobreviver ou se era possível manter a qualidade da água. Mas de qualquer forma ela lá está a formar o maior lago artificial da Europa porque não gostamos de fazer as coisas por menos. E geralmente é destes grandes projectos que vive o Alentejo e em particular a margem esquerda do Guadiana, que por razões de geografia parece mais pertencer a Espanha que a Portugal.
O tempo passou, aos poucos vai construindo-se o conjunto de mini barragens que irão complementar o complexo de Alqueva mas é já claro que as expectativas que existiam nunca poderão ser correspondidas.
Sempre fui um “velho do Restelo” perante as expectativas da minha família quanto ao aumento do emprego, a dinamização da economia da região ao nível dos serviços que supostamente Alqueva traria. Sempre disse lá pelos “Alentejos” que a maioria dos empregos na construção da barragem não seria para pessoas da região, que os trabalhadores imigrantes que a iriam construir iam passar metade do tempo em barracões com ar condicionado instalados pelas empresas subcontratadas e que os engenheiros não eram suficientes para encher os cafés e restaurantes de Portel, Alqueva e Moura. E que no final tudo aquilo acabaria por ser alimentado por uma equipa de profissionais altamente qualificados mas em número bastante reduzido devido à tecnologia associada ao projecto. E assim foi.
Agora surgem alternativas ao Alqueva e o maior projecto de energia fotovoltaica do mundo a situar em Serpa, mas também a fábrica de painéis que é suposto vir a instalar-se em Moura.
Destes projectos o único que poderá ter um impacto maior na vida dos alentejanos são as 16000 camas previstas para o Alqueva. O projecto da central fotovoltaica, ainda que benéfico no aproveitamento de recursos naturais que o país tem em abundância vai ser, após a sua construção, gerido de forma praticamente automática e por profissionais altamente qualificados. Os tais que tanto faltam no Alentejo. A fábrica nem sequer é falada no
press release da empresa mas tem passado de boca em boca em Moura e não se pode dizer que seja uma realidade se porventura o custo de produção destes painéis for inferior noutras paragens.
Restam as 16000 camas de Alqueva. Estas só serão viáveis se for possível manter a qualidade da água a níveis aceitáveis para a prática de um turismo de qualidade, mas ainda assim estamos longe de se poder garantir essa qualidade a longo prazo.
De qualquer forma este projecto é o único que poderá resultar na fixação de pessoas às suas localidades, evitando uma cada vez maior desertificação do interior alentejano na medida em que cria emprego real e a longo prazo.
São razoáveis as questões levantadas pêlos ambientalistas quanto à dimensão do projecto. Ninguém esperava que aquela zona onde estavam previstas 450 camas passasse subitamente a comportar 16000. No entanto e como em tantas coisas neste país importa saber o que se pretende em termos de desenvolvimento do interior, se de facto se pretende alguma coisa.
Se não é possível ter expectativas sobre a agricultura, se não é possível ter expectativas sobre a fixação de indústrias a custos rentáveis, então que futuro se pretende para o interior e para os que lá vivem?
Provavelmente o turismo pode ser uma solução, até porque no Alentejo o sector terciário tem tido um aumento muito considerável na comercialização de bens de outras paragens que não o Alentejo.
O turismo pode ser uma solução porque é imperioso que o Alentejo crie riqueza por si e porque ainda é possível exigirmos que nesta zona haja um turismo de qualidade, compatível com as pessoas e com o ambiente que resulte num aumento da qualidade de vida de todos.
Tenho em crer que os alentejanos saberão agarrar as oportunidades que lhes vierem a apresentar e irão dar o melhor de si para o sucesso da região.
Nota: Após ter escrito este post tomei conhecimento que a fábrica dos painéis solares se situará em Oliveira do Bairro e em Moura existirá uma central de energia solar fotovoltáica maior que a de Serpa com a dimensão de 100 hectares. Claro que nesta como em outras questões a informação nem sempre é clara...