Vim de Portugal com algumas expectativas mais ou menos fundadas sobre os destinos para onde me dirigia no que geralmente chamamos de Leste. Levava também uma encomenda motivada pelas notícias que antecederam a minha partida. Comprovar in loco a ultrapassagem que a República Checa aparentemente nos teria feito naqueles obscuros relatórios dos bancos centrais que com uma disciplina quase militar dizem quem é que está à frente de quem, e fazer um relatório.
Essa encomenda é mais simples de resolver no que toca à Republica Checa e em particular a Praga, porque não quero competir em relatórios com os senhores comissários a quem pagam bem melhor do que a mim.
A República Checa não é mais rica nem mais desenvolvida que Portugal, mas pode vir a ser.
A cidade de Praga é bem mais difícil de definir do que este simplismo económico.
Tenho dificuldades, à distância de mais de uma década da queda do Muro, em imaginar Praga sob o jugo comunista que se instalou sobre a Checoslováquia após a segunda guerra mundial, não fossem alguns edifícios (apesar de poucos) facilmente identificáveis com um estilo talvez estalinista.
A cidade transpira uma força extraordinária a que não será alheia a sua robusta arquitectura medieval, cheia de pequenas ruelas, becos e passagens que geralmente desembocam em pontes magníficas ou praças soalheiras.
Aqui é impossível fugir à confusão politica que Portugal se viu alheio nas lutas entre reinos do centro da Europa e é quase possível identificar as marcas que cada nova invasão, ocupação ou guerra civil foram deixando na cidade ao longo dos tempos. Tudo parece correctamente organizado em camadas perfeitamente identificáveis em que se pode facilmente distinguir estilos diferentes e culturas diferentes.
E que cultura, a cidade fervilha em acontecimentos culturais. É certo que existe um aproveitamento turístico do fenómeno cultural, mas que mal pode vir ao mundo por se assistir a um pouco de Jazz da Dixie Band na Karlov Most (Ponte de Carlos, que irei falar mais à frente), ou num concerto de Bach numa qualquer igreja Barroca?
Toda esta cultura parece fazer sentido naquela que é a cidade de Kafka e onde não parece haver qualquer ressentimento em relação ao facto do escritor se ter expressado principalmente na língua alemã, o que viemos a saber era relativamente comum por estas bandas no tempo dos Habsburgos e do Império Austro-húngaro. Por estas ruas o perturbado escritor deambulou e criou o seu universo próprio que tanto admiramos hoje em dia.
Fervorosamente religiosos, abundam pela cidade as igrejas e os monumentos religiosos dos quais a fotografia que aqui associo será um bom exemplo dos muitos que poderia aqui colocar. Esta catedral (Nª Sr.ª de Tyn) situa-se no centro histórico classificado pela UNESCO e é muito perto dos apartamentos que em boa hora acabámos por escolher. Este centro que geralmente se traduz nos guias como a Praça da Cidade Velha ou Old Town Square dá pelo nome de Stáromestská ou Stáromestské Námestí na difícil língua checa. Nesta foto está também o monumento (em baixo a verde) a Jon Huss, cuja morte desencadeou as guerras religiosas Hussitas e provocaram as conhecidas defenestrações de Praga, sim... foram três…
Antes das defenestrações e da guerra dos trinta anos que resultou na ocupação pelos Habsburgos até ao início do séc. XX, Praga foi Capital da região da Boémia, o que fará muito mais sentido na Praga que renasceu depois da queda do Muro. Abundam pela cidade os cafés e esplanadas onde uma cerveja gelada escorre facilmente garganta abaixo, mas também abundam os casinos (maiores ou menores) as casas de strip e os cabarés da Praça Venceslau. Alguns deles prometem mesmo a presença de 150 meninas em palco a fazer recordar os melhores momentos do Can Can do Moulin Rouge.
A cidade é basicamente plana o que permite longos e agradáveis passeios pelas margens do Vlatva (estranha nome checo do rio Moldova). As únicas excepções são a colina em que se encontra o castelo, que no seu interior tem o medieval palácio real que foi o cenário das defenestrações, assim como a basílica de São Jorge (muito apreciado nestas bandas) e a Catedral de São Vito. Outra elevação da cidade é o monte Pétrin onde uma torre estilo Eiffel mas mais pequena faz as delícias dos fotógrafos de ocasião por uma bela foto panorâmica.
As margens do Vlatva permitem passeios longos até Vysehrad (uma fortificação na zona sul da cidade, mas quase sempre resultam numa ida à Ponte de Carlos. A Karlov Most é uma ponte pedonal, ao melhor estilo medieval, claramente influenciado pelas construções de pontes romanas deixadas um pouco por toda a Europa, mas adornada em toda a sua extensão por santos. A ponte e a Stáromestská são o centro da vida da cidade. Ambas fervilham de turistas, e de barraquinhas a vender os mais variados produtos relacionados com Praga e a sua história adaptada ao modelo de um íman de frigorifico.
Estes dois locais são o ponto de encontro das dezenas de línguas que se ouvem na cidade e muito provavelmente onde melhor se capta o espírito de Praga.
São estes mesmos turistas que enchem a Stáromestská na zona do relógio astronómico e que de hora a hora aplaudem freneticamente os santinhos que aparecem numas pequenas janelas por cima do relógio. Nós também cumprimos este ritual mas ficámos um pouco desiludidos, talvez esperássemos uns santos mais activos…
É fácil falar com os checos, que aparentemente apreciam o esforço dos estrangeiros em dizer umas palavras em checo como Dobrý Den (Bom dia), mas é impossível comer Goulash e Schnitzel. É sem duvida uma visita que vale a pena até porque poderia estar aqui a escrever até amanha de manhã.
Lembrei-me agora que me esqueci da história de retirarem as placas das ruas após a Primavera de Praga para dificultar as purgas que o KGB pretendia fazer… é uma história que fica para outra altura, mas que revela bem o tipo de povo que é o Checo.
Nota: a confusão dos tempos verbais pode derivar de este texto ter sido começado em Praga e acabado em Portugal.
Essa encomenda é mais simples de resolver no que toca à Republica Checa e em particular a Praga, porque não quero competir em relatórios com os senhores comissários a quem pagam bem melhor do que a mim.
A República Checa não é mais rica nem mais desenvolvida que Portugal, mas pode vir a ser.
A cidade de Praga é bem mais difícil de definir do que este simplismo económico.
Tenho dificuldades, à distância de mais de uma década da queda do Muro, em imaginar Praga sob o jugo comunista que se instalou sobre a Checoslováquia após a segunda guerra mundial, não fossem alguns edifícios (apesar de poucos) facilmente identificáveis com um estilo talvez estalinista.
A cidade transpira uma força extraordinária a que não será alheia a sua robusta arquitectura medieval, cheia de pequenas ruelas, becos e passagens que geralmente desembocam em pontes magníficas ou praças soalheiras.
Aqui é impossível fugir à confusão politica que Portugal se viu alheio nas lutas entre reinos do centro da Europa e é quase possível identificar as marcas que cada nova invasão, ocupação ou guerra civil foram deixando na cidade ao longo dos tempos. Tudo parece correctamente organizado em camadas perfeitamente identificáveis em que se pode facilmente distinguir estilos diferentes e culturas diferentes.
E que cultura, a cidade fervilha em acontecimentos culturais. É certo que existe um aproveitamento turístico do fenómeno cultural, mas que mal pode vir ao mundo por se assistir a um pouco de Jazz da Dixie Band na Karlov Most (Ponte de Carlos, que irei falar mais à frente), ou num concerto de Bach numa qualquer igreja Barroca?
Toda esta cultura parece fazer sentido naquela que é a cidade de Kafka e onde não parece haver qualquer ressentimento em relação ao facto do escritor se ter expressado principalmente na língua alemã, o que viemos a saber era relativamente comum por estas bandas no tempo dos Habsburgos e do Império Austro-húngaro. Por estas ruas o perturbado escritor deambulou e criou o seu universo próprio que tanto admiramos hoje em dia.
Fervorosamente religiosos, abundam pela cidade as igrejas e os monumentos religiosos dos quais a fotografia que aqui associo será um bom exemplo dos muitos que poderia aqui colocar. Esta catedral (Nª Sr.ª de Tyn) situa-se no centro histórico classificado pela UNESCO e é muito perto dos apartamentos que em boa hora acabámos por escolher. Este centro que geralmente se traduz nos guias como a Praça da Cidade Velha ou Old Town Square dá pelo nome de Stáromestská ou Stáromestské Námestí na difícil língua checa. Nesta foto está também o monumento (em baixo a verde) a Jon Huss, cuja morte desencadeou as guerras religiosas Hussitas e provocaram as conhecidas defenestrações de Praga, sim... foram três…
Antes das defenestrações e da guerra dos trinta anos que resultou na ocupação pelos Habsburgos até ao início do séc. XX, Praga foi Capital da região da Boémia, o que fará muito mais sentido na Praga que renasceu depois da queda do Muro. Abundam pela cidade os cafés e esplanadas onde uma cerveja gelada escorre facilmente garganta abaixo, mas também abundam os casinos (maiores ou menores) as casas de strip e os cabarés da Praça Venceslau. Alguns deles prometem mesmo a presença de 150 meninas em palco a fazer recordar os melhores momentos do Can Can do Moulin Rouge.
A cidade é basicamente plana o que permite longos e agradáveis passeios pelas margens do Vlatva (estranha nome checo do rio Moldova). As únicas excepções são a colina em que se encontra o castelo, que no seu interior tem o medieval palácio real que foi o cenário das defenestrações, assim como a basílica de São Jorge (muito apreciado nestas bandas) e a Catedral de São Vito. Outra elevação da cidade é o monte Pétrin onde uma torre estilo Eiffel mas mais pequena faz as delícias dos fotógrafos de ocasião por uma bela foto panorâmica.
As margens do Vlatva permitem passeios longos até Vysehrad (uma fortificação na zona sul da cidade, mas quase sempre resultam numa ida à Ponte de Carlos. A Karlov Most é uma ponte pedonal, ao melhor estilo medieval, claramente influenciado pelas construções de pontes romanas deixadas um pouco por toda a Europa, mas adornada em toda a sua extensão por santos. A ponte e a Stáromestská são o centro da vida da cidade. Ambas fervilham de turistas, e de barraquinhas a vender os mais variados produtos relacionados com Praga e a sua história adaptada ao modelo de um íman de frigorifico.
Estes dois locais são o ponto de encontro das dezenas de línguas que se ouvem na cidade e muito provavelmente onde melhor se capta o espírito de Praga.
São estes mesmos turistas que enchem a Stáromestská na zona do relógio astronómico e que de hora a hora aplaudem freneticamente os santinhos que aparecem numas pequenas janelas por cima do relógio. Nós também cumprimos este ritual mas ficámos um pouco desiludidos, talvez esperássemos uns santos mais activos…
É fácil falar com os checos, que aparentemente apreciam o esforço dos estrangeiros em dizer umas palavras em checo como Dobrý Den (Bom dia), mas é impossível comer Goulash e Schnitzel. É sem duvida uma visita que vale a pena até porque poderia estar aqui a escrever até amanha de manhã.
Lembrei-me agora que me esqueci da história de retirarem as placas das ruas após a Primavera de Praga para dificultar as purgas que o KGB pretendia fazer… é uma história que fica para outra altura, mas que revela bem o tipo de povo que é o Checo.
Nota: a confusão dos tempos verbais pode derivar de este texto ter sido começado em Praga e acabado em Portugal.
5 comentários:
Não sei se já deste por concluída a tua descrição de Praga aqui no Suburbano, de qualquer forma ha neste teu relato uma grande falha!!
Então e as GAJAS!!!! Sim, sim!!! A Checas que são podres de Boas!
É verdadeiramente impressionante um gajo não consegue estar mais de dois minutos ser ver uma "poderosa" a passar
É impressionante como uma tão boa crónica omite o importantíssimo aspecto focado no comentário anterior pelo Miguelinho! Que sorte termos nele um observador atento, a quem não escapou nenhum pormenor de "belezas naturais" e "monumentos" checos...
Concordo, imperdoável... Como é que me fui esquecer... Fica para uma crónica quando voltarmos até porque fomos à ponte escrever lá o santo (isto não parece nada bem) e isso é garantia de regresso de acordo com a tradição.
Não era escrever... era mesmo esfregar :)
Muito bom!
Enviar um comentário