quarta-feira, dezembro 21, 2005

As perguntas sem resposta


Sou forçado a reconhecer que o debate foi pobre em projectos e ideias para o futuro, aliás pobre talvez seja uma forma simpática de colocar a questão. Soares não teve ideias e é pena que alguns venham a dizer ao longo dos próximos dias que pelo contrário Cavaco está carregadinho de ideias e foi o mauzão do Soares que não o deixou falar. De qualquer forma, reconhecer "cooperação estratégica" e "um forte apelo ao consenso" como ideias, requer de mim uma capacidade que perdi algures entre a extrapolação dos poderes presidenciais e o papel determinante da economia para exercer um cargo exclusivamente político.

Portugal precisa mesmo de um presidente como o Cavaco, aliás merece-o. Está-nos nos genes este interesse pelas figuras deliberadamente misteriosas ou distantes. Está-nos no sangue a necessidade de termos alguém que se proponha a proteger-nos em contraposição às nossas vidas cinzentas e problemáticas. Precisamos todos como do pão para a boca de depositar em alguém a cada vez mais complexa tarefa de pensarmos por nós próprios.

Soares cumpriu o seu papel neste debate, não deixar que Cavaco faça um passeio na avenida... atacou-o como se esperava, explorou as suas incoerências, apontou os inúmeros cinzentos políticos do pensamento económico preto e branco do Professor. Este defendeu-se bem e não se deixou ir ao tapete.

O professor já está curado do torcicolo, já responde a provocações mas insiste em remeter para as suas "escrituras" se porventura tivermos o interesse em conhecer a profundidade do seu pensamento (a)político.

Soares provou com este debate que a história do candidato passado do prazo, velho e decrépito tem de ser definitivamente arrumada, independentemente de se gostar ou não do que ele tem para dizer. O problema de Soares é a sua estratégia...

A estratégia de Soares empurra Cavaco para um lugar com o qual todos os portugueses se conseguem rever, pela mesma razão que o Zé Maria se tornou um herói em Barrancos. A estratégia de Soares permite a Cavaco estar em sintonia com os filhos que sofrem do amargurado povo Português, ao mesmo tempo que atribuem a Soares uma determinada sobranceria e arrogância com a qual os portugueses lidam mal porque não sabem como se lhe opor.

Nada a dizer sobre a pretensão de Cavaco em liderar consensos em matéria económica. O problema é que os portugueses se preparam para comprar gato por lebre. O professor apresenta-se limpo de um passado com contestação social e até pode citar Jacques Delors em como os 10 anos da sua governação foram um "Oásis" ou uma "Califórnia", o problema é que Jacques Delors nunca viveu em Portugal e não foi um dos estudantes, agricultores, policias ou simplesmente cidadãos comuns que sentiram nas suas costas as bastonadas em nome da manutenção da ordem do Estado de Direito.

O problema de Cavaco não é pretender motivar as classes sociais para os consensos. O problema do Professor é não se conhecer a sua interpretação sobre os Direitos, Liberdades e Garantias que terá de garantir e fiscalizar como Presidente. O problema é não sabermos o que o Professor pensa sobre a "subordinação do poder económico ao poder politico" presente na constituição e se o professor considera ou não que os Direitos e Deveres Sociais são uma obrigação do estado em si mesmos ou uma consequência do desenvolvimento económico.

Acabam aqui os debates e ficam irremediavelmente muitas perguntas no ar em relação a todos os candidatos. Nesta altura não sei bem se elas vão ser respondidas, ou se porventura é objectivo dos candidatos respondê-las.


A unica certeza que tenho neste momento é que os portugueses não devem e não podem ficar em casa no dia 22, porque já é tempo de não permitirmos que outros decidam por nós.

6 comentários:

Anónimo disse...

Inspiradíssimo, hoje, o nosso amigo, num texto dos mais fortes que aqui tenho lido, no que à discussão política diz respeito. Consistência, coerência, acutilância, ironia q.b. (o Zé Maria...), enfim, o que seria de esperar aqui, não?

José Raposo disse...

É a desilusão que me começa a ocupar o espirito...

Anónimo disse...

Mas é de ânimo, de ânimo, que nos deve falar a força deste escrito. Ainda que ânimo saído do desespero, há que tentar o ânimo. Tentar sempre, falhar, mas falhar melhor, de cada vez (isto é uma citação livre de algures que não posso agora confirmar).

Ricardo disse...

Viva,

Excelente texto! Bastante inspirado e carregado de ironia.


Eu gostei do debate e achei que Soares fez o que tinha a fazer. Mas faltou a este uma pontinha de discurso motivador e pela positiva para piscar o olho ao "centrão"! E aí falhou...

Quanto a Cavaco realmente cada vez mais lembro-me do Zé Maria...

Abraço,

Anónimo disse...

(Eu sabia que era qualquer coisa assim...) "Nunca ter tentado. Nunca ter falhado. Não importa. Tentar outra vez. Falhar outra vez. Falhar melhor." (Samuel Beckett) Adequando a coisa, parece-me que é um pouco por isto que a candidatura de Soares é louvável. Já tentou, falhou umas vezes (governo, PE), outras não (PR), agora já podia ficar sossegadinho (com a mantinha, como nos bonecos), mas tenta outra vez, arrisca, sabendo que pode falhar. Mas falhará melhor, porque marcará uma importante posição contra o sebastianismo cinzento que regressa na névoa destes dias esquisitos, em que realmente parece mais fácil ter alguém que pense por nós. É, de facto não sei se isto não está já decidido, mas sigamos o fenomenal exemplo do "velhote" e sigamos adiante, até ao combate final.

José Raposo disse...

Depois do choque o ânimo vai voltando :) sim, os verdadeiros democratas ganham e perdem eleições mesmo que isso signifique ir falhando melhor.