sexta-feira, março 09, 2007

A historia higiénica

A comissão europeia tem de quando em vez um ataque de normalização, que permite fixar o diâmetro das laranjas que se vendem de Lisboa a Bucareste. Mas nem sempre repara nos custos que essas alterações implicam, nem nas especificidades de cada país.
Agora resolveram dar um passo maior que as pernas, normalizando a história da Europa, num único manual escolar, que ajude as pobres crianças europeias a sentir a verdadeira Europa.
O que me preocupa são os sentimentos de confusão dessas crianças perante a mais que previsível desvalorização do passado belicista da Europa.
Falaremos das guerras do passado como uma espécie de alter-ego? As crianças vão conseguir perceber que povos que insistem em dizer que são os melhores amigos, se andaram a matar no passado, sem que isso lance a maior das confusões nas cabeças dos pequenos estudantes?
É um processo de desenraizamento das histórias nacionais que deve ser combatido, porque os europeus precisam de saber que os seus antepassados lutaram uns contra os outros, que umas vezes ganharam outras perderam e que isso tem um determinado valor na consciência colectiva, que não pode ser higienizado.
Passar uma esponja pelo passado da Europa apenas pode transformar os erros anteriores, que são a génese da Europa que se pretende construir agora, numa leve referência politicamente correcta do passado.
É importante, e especialmente importante em alguns países da União onde diversos nacionalismos parecem querer renascer, que o passado seja a reprodução fiel da realidade para que todos possam aprender com os seus erros.

3 comentários:

cuotidiano disse...

Toda a razão!

Não se deve "branquear" nada, só a Verdade servirá para aprender - e evoluir - com os erros (e foram tantos!) que se cometeram.

Aliás, acho que a História já nos ensinou que esconder a realidade só traz maus resultados.

Ãssim, há que aprender para sobreviver e, principalmente, podermos todos Viver harmoniosamente!


Um abraço

Anónimo disse...

Leu o livrinho "Uma Pequena História do Mundo", recentemente editado? É um livro escrito para crianças e que, no entanto, não branqueia guerras.

Não é paradoxal virem justamente os historiadores dizer que não é possível escrever uma História da Europa em formato pedagógico? Não é esse também o seu trabalho, entre outros?

Finalmente: sabemos que a história é muitas vezes a história dos vencedores. Mas é toda a História, não só a dos manuais escolares! Mas haveremos alguma vez de desistir de a fazer por isso? Não vivemos em sociedades em que a informação é preciosa, e que também nela se baseia a construção da democracia?

A apreciação valorativa de documentos históricos não é feita quotidianamente? E não se chega a sínteses provisórias mais ou menos concensuais? Não vivemos com elas? Por quê escondê-las das crianças?

O que diz?

Laurindinha

José Raposo disse...

Laurindinha, concordo com o que escrever. Mas diga-me lá como é que vamos fazer uma síntese provisória mais ou menos concensual, onde todos foram ao mesmo tempo ou em momentos diferentes, vencedores e vencidos. Eu acho lindamente que não se esconda nada das crianças. Duvido é que nesta altura seja possivel à Europa fazer um documento desse género sem levantar de imediato imensas polémicas, a que os eurocratas fogem como da cruz, o que acaba por resultar sempre em compromissos politicamente correctos.