segunda-feira, novembro 06, 2006

Venha chuva...

Invariavelmente depois dos incêndios vem sempre a chuva. Até é interessante perceber esta sucessão que acaba sempre por ditar o fim da fase imediatamente anterior. Aliás, este ano o verão, à excepção das já famosas vagas de calor, até nem foi dos piores. Houve mesmo alguns dias que choveu, o que contribui muito significativamente para a curta época de incêndios.
Mas tal como revelamos, ano após ano, uma total incapacidade em nos protegermos dos incêndios, revelamos também uma inaceitável incúria em relação às primeiras chuvas e aos seus resultados.
Chove copiosamente e é inevitável que acabemos por ter inundações e cheias um pouco por todo o lado. Mas será que é mesmo inevitável?
Reguengo do Alviela é um pequeno povoado junto ao Alviela e logo ao Tejo. Numa zona de cheias por excelência, que aliás são a razão da riqueza agrícola da zona, os seus habitantes acabam irremediavelmente por ficar isolados sempre que caem umas pingas de água.
É assim porque é assim. É assim até porque as pessoas já conhecem essa realidade há muitos anos e o padeiro e o merceeiro da zona até já possuem um pequeno bote que lhes permite fazer as suas vendas no Reguengo do Alviela para além de distribuírem a correspondência. A Holanda ganhou mais de um terço do seu território ao mar e nós não conseguimos que um lugarejo com meia dúzia de pessoas possa ter uma determinada segurança das águas do Tejo, que sem excepção todos os anos lhes entram pela porta adentro. Não há um dique, um canal de escoamento, uma estrada elevada que valha à população deste local. Resta-lhes apenas empacotar o maior número de alimentos possível, prender com pedras os móveis para que não flutuem, colocar as coisas mais leves nos andares de cima, tentar levar os animais para zonas mais altas e esperar pela chuva que inevitavelmente acabará por chegar.
Tomar é um povoado maior. Não é tão interior, é uma cidade pequena mas com o seu comércio e a sua vida própria. As gentes de lá já não vivem exclusivamente da agricultura, têm supermercados e até um politécnico e como tantas e tantas terras neste país tem um rio. O Nabão.
O Nabão, tal como todos os rios que fazem parte do complexo emaranhado de água do rio Tejo, está directamente relacionado com este e principalmente com as suas barragens. Barragens como a do Fratel.
Neste sábado a barragem teve necessidade de abrir as suas comportas para arrumar a água vindas das barragens espanholas durante um período de 3 horas. Essa abertura de comportas provocou um aumento de 6m, sim, 6m do caudal do rio Nabão. Ninguém em Tomar foi devidamente avisado deste aumento (mais que previsível) do caudal, pelo que os prejuízos são avultados tendo em conta que toda a zona ribeirinha ficou completamente inundada, não tendo sido possível aos proprietários fazerem nada para salvar alguns dos seus bens.
A natureza nem sequer é demasiada madrasta para nós. O último grande acontecimento natural digno desse nome foi há 250 anos e ainda temos coisas por recuperar…. A água merece-nos tanta atenção quanto a floresta, ou seja quase nenhuma. Tudo parece mal estruturado e sem coordenação possível. Ninguém se entende embora todos os anos o SNBPC seja reestruturado (agora vai ser Autoridade nacional de protecção civil).
Não investimos em nenhum sistema de alerta capaz de nos proteger de catástrofes naturais e acabamos sempre por ter de lidar (mal) com as consequências. Construímos onde queremos, enchemos tudo de lixo e depois reclamamos que perdemos tudo. É o nosso fado de sempre, que afinal apenas serve para encher telejornais com desgraças humanas, de gente que perdeu os seus poucos haveres, em zonas onde nem sequer deveriam viver.

7 comentários:

cuotidiano disse...

Uma correcção - o caudal não pode ter "subido 6m" pela simples razão que o caudal é volume na unidade de tempo, normalmente (e nos rios, particularmente) medido em m3/s; em metros mede-se a altura de água que terá aumentado os tais 6m em função do aumento do caudal.

Uma observação - neste país, para se fingir que a culpa não morre solteira (como, de facto, morre), normalmente acusa-se quem não se pode defender; ou seja, os computadores e a Natureza. Explicando - Quando nos duplicam a factura da electricidade, é-nos dito que o culpado "é o computador, facturou duas vezes...". Claro está que ninguém o programou nem ninguém carregou dados...
Em relação à Natureza passa-se o mesmo - "Choveu muito...". Claro está também, a chuvada nem sequer se aproxima da de cálculo mas como a Natureza (à semelhança dos computadores) ainda não sabe falar para se defender... Um exemplo numérico - Em relação a uma das chuvadas dos últimos dias, dizia-se no Telejornal com um ar horrorizado (claro está, como justificação para os problemas!) que "tinham chovido 46mm/m2 em 4 horas". Se se fizessem as contas (que não apresento poupando os eventuais leitores) isso corresponderia a uma probabilidade de excedência anual de 20% quando as cheias são calculadas, no mínimo, para 1% - feitas mais algumas contas, o caudal correspondente aos valores de cálculo seria cerca de 2,5 vezes maior!

Uma constatação - Outro aspecto referido no "post" e que me parece importante é o da falta de coordenação com os "nuestros hermanos" - ou seja, temos planos de bacia hidrográfica para as nossas bacias mas, ao que parece, não nos entendemos com a bacia hidrográfica "real", ou seja, a que não se rege por fronteiras humanas mas, apenas (e por azar...) pelas leis da Física.

Uma chamada de atenção - É preciso ainda referir que há zonas que ainda bem que inundam - para além das razões (bem) apontadas no "post", existem outros factores muito importantes, nomeadamente a recarga de aquíferos e a atenuação de cheias para jusante - Sim, porque é preciso evitar a "mania contraditória" que por aí anda de que, apesar dos problemas de falta de água, ter-se a tendência (absurda) de colectar o mais depressa possível e enviar a água para o mar (também o mais depressa possível)

PS - Ao que sei, o caso concreto descrito no "post" está em estudos no INAG há séculos...

PPS - Peço desculpa pelo (longo) discurso - o objectivo era apenas tentar esclarecer (só espero ter ajudado e não "chateado"...)

cuotidiano disse...

Errata:

Onde se lê "no mínimo, 1%" deverá ler-se "no MÁXIMO, 1%"

José Raposo disse...

Cuotidiano os esclarecimentos mais técnicos são sempre bem vindos para nós os leigos nestas coisas.
Como imagina a perplexidade para quem não está por dentro ainda é maior...

O post não visa criticar a Natureza, coitada que faz o que pode, mas sim a ignorância dos homens que insistem em não se proteger dela.

O que está aqui em causa é a total descoordenação dos meios e da informação fornecida às populações que não lhes permite protegerem-se.

cuotidiano disse...

"O post não visa criticar a Natureza, coitada, que faz o que pode, mas sim a ignorância dos homens..." - Concordo e acrescento a irresponsabilidade e o laxismo.

"O que está aqui em causa é a total descoordenação dos meios e da informação fornecida às populações que não lhes permite protegerem-se...". Também concordo e também acrescento que não seriam precisos meios especiais de protecção se hovesse medidas directas (correcções fluviais, criação de bacias de amortecimento, de zonas controladas de inundação...) e indirectas (planeamento urbano, controlo de impermeabilizações...)que atenuassem os efeitos de cheias - conjugadas, sempre, com uma correcta política de informação, divulgação e esclarecimento das populações.

Em resumo, relembro que a precipitação é-nos quase incontrolável (apesar de, em termos globais do planeta, o ser humano estar a fazer tudo para provocar o desequilíbrio, sendo que um dos factores que daí resultam é a concentração de precipitações, aumentando a respectiva intensidade) mas os efeitos das cheias, consequência daquela, podem ser perfeitamente minimizados, assim haja vontade técnica (e principalmente) política para o fazer.

Finalmente, termino dizendo que é com os princípios básicos deste tipo de fenómenos, com o "regresso às origens" - nomeadamente se pensarmos no que falamos desde a Instrução Primária, o "ciclo da água" -, que se podem implantar processos técnicos e harmoniosos (ia dizer "Nature friendly"...) que nos defendam dos efeitos das cheias - como já dizia Sir Francis Bacon (citado de cor) "só se pode controlar a Natureza obedecendo-lhe"

Um abraço e que continuem, neste espaço virtual, a alertar as pessoa para os seus problemas reais - hoje em dia faz falta (e é de apludir) quem saia do "fast-food" intelectual...

MGomes disse...

Independentemente dos pormenores mais técnicos, a visão do problema das cheias na zona do Ribatejo está bem dissertada. Desde há muitos anos que as populações estão deixadas à sua sorte. Eu bem me lembro de outros tempos, em que todos os anos as cheias entravam dentro das casas das populações residentes em zonas mais baixas e nada se fez ou projectou nos últimos quarenta anos!!!!! Dizem alguns, que as cgeias são bem vindas porque acabam por fertilizar as terras, concordo, mas não precisavam de prejudicar as zonas residencais, bastava para tanto que alguns trabalhos de melhoramento dos leitos do rios e com alguns desvios apropriados das águas em excesso , fossem implementados.
Um Abraço

José Raposo disse...

Manuel Gomes obrigado pela visita. Continuamos a ter uma instituição com um nome pomposo mas que na realidade trabalha em qualquer outra àrea que ninguém sabe qual... o instituto da água...
Abraço

Anónimo disse...

Caro José Raposo:
A afirmação
"É assim até porque as pessoas já conhecem essa realidade há muitos anos e o padeiro e o merceeiro da zona até já possuem um pequeno bote que lhes permite fazer as suas vendas no Reguengo do Alviela para além de distribuírem a correspondência" não é verdadeira... eu sou do Reguengo do Alviela e informo que não há mercearia...quem transporta o pão e a mercearia são... os bombeiros!!! O único estabelecimento existente não possui nenhum bote! A venda do pão é feita no único café da zona, pelo padeiro. Quanto às mercearias, essas são levadas ou por familiares ou por alguém que se desloca, com os bombeiros, à terra mais próxima!