segunda-feira, setembro 11, 2006

Naquele dia...

...ainda estava calor e eu começava a ficar farto de andar de gravata. Tinha almoçado e chegava a hora de voltar para a formação. Apertei a gravata de volta ao seu lugar original, vesti o casaco e voltei para a sala. Como quase sempre cheguei antes de todos os formandos. Sentei-me, abri uns mails, tirei umas notas sobre assuntos que não me queria esquecer de passar à tarde e os formandos começaram a entrar.
Dois ou três minutos depois da hora prevista já estavam todos nos lugares e por isso era altura de eu me levantar. Disse boa tarde, liguei o LCD e comecei a falar sobre ciclos de facturação aplicados a pré-pagos quando uma formanda me interrompe.
Não tinha nada a ver com a formação (segundo a própria), franzi um sobrolho à espera do disparate que aí vinha e ela de forma simples diz ao grupo: “José desculpe, mas parece que bateu um avião contra o World Trade Center.” Inicialmente achei estranho, mas numa tentativa (muito comum em mim) de racionalizar as coisas, tentei acalmar o grupo e dizer-lhes que é natural que alguma avioneta se tenha descontrolado, tal como no passado já tinha acontecido no Empire State Building.
Fui ao meu computador, entrei no site da CNN e de repente percebi que não se tratava de uma avioneta mas sim de um avião comercial. Não podia ser, algo tinha de ter corrido muito mal para que um avião comercial tivesse atingido uma das torres gémeas numa zona onde não era suposto estar. Mas pensei – acidentes acontecem em todo o mundo e apesar da visibilidade, era apenas mais um trágico acidente que iria abrir os telejornais nessa noite. Era preciso continuar. O grupo estava agitado, mas foi preciso voltar ao trabalho. Prossegui com o tinha planeado, recuperando as notas que tinha escrevinhado na hora do almoço. Segui esclarecendo dúvidas sobre facturação e carregamentos, mas não voltei a fechar a página da CNN, que tinha pedido aos formandos para fecharem.
Ainda assim a agitação era inevitável. O grupo era composto por gente muito nova para quem estas coisas porque razões que não conseguia descortinar, tinham muito impacto, mas afinal também tinha em mim. Acordámos que eu próprio os manteria a par das notícias, mas que íamos ter de continuar com a matéria.
Tinham passado uns 30m do momento inicial em que recebemos a notícia do choque de um avião comercial no WTC. Aproveitei uma pausa para beber água, sentei-me e fiz um refresh à página da CNN. Nessa altura tinha já ocorrido o embate de outro avião na outra torre do WTC. Um arrepio percorreu-me o corpo todo deixando-me provavelmente branco. Os Estados Unidos estavam a ser atacados no seu próprio território continental por alguém não identificado, como nunca até aí e numa escala para lá de qualquer tipo de compreensão. A Casa Branca tinha sido evacuada, algo que nunca antes tinha acontecido.
Levantei-me, e para honrar o nosso acordo comuniquei ao grupo de formandos que um segundo avião havia embatido nas torres, podia não o ter feito, mas nada do que viéssemos a falar essa tarde iria fazer qualquer sentido e eu pretendia estar de olhos colados ao ecrã do computador e não a falar de facturação. Por momentos veio-me à memória aquele distante mês de Janeiro de 1991 em que interrompemos uma aula de francês para nos informarmos do início da guerra do golfo e discutirmos as suas implicações. Isto parecia muito pior.
Pelas reacções nas caras de cada um percebi a gravidade da situação que uma dormência mental, não me permitia vislumbrar. Era um atentado terrorista sem paralelo, cujas implicações poderiam facilmente desencadear um conflito mundial de proporções nunca vistas onde era evidente nós poderiamos ser envolvidos. A formação do resto da tarde tornara-se irrelevante. Bateram à porta da sala, era uma colega a perguntar se eu já tinha visto o que se estava a passar e o que iríamos fazer no resto do dia. Concordámos em que não seria possível continuar a formação e que todos teriam a possibilidade de consultar as fontes de informação que pretendessem para tentar perceber o que se passava. Alguns telefonaram para casa e outros optaram por pesquisar os sites informativos.
A catadupa de informação acabou por revelar toda a dimensão daquele dia. As torres caíram, o Pentágono tinha sido atingido e na Pennsylvania um avião tinha caído quando aparentemente se deslocava para o Capitólio ou para a Casa Branca.
Os formandos saíram mais cedo e foram para casa e eu voltei à área de formação no 2º piso. Aí o ambiente era ainda mais pesado, em média éramos todos mais velhos que a maioria dos formandos, e o silêncio só era quebrado pelo rádio, estrategicamente colocado sobre um posto de trabalho central, sintonizado na TSF (sempre a TSF) que debitava informação a uma velocidade muito mais rápida do que aquela que éramos capazes de processar. Apreensão, senão o medo, pareciam estampados na cara de cada um,
Passado algum tempo eu também fui para casa, não jantei e não dormi nada nessa noite. Só voltaria a dormir na madrugada do dia 13 de Setembro.
Mas nessa altura já nada voltaria a ser como dantes num mundo que parecia ter encontrado um caminho no inicio do novo século.
Desde esse dia, em incidentes directamente ou indirectamente relacionados, morreram milhares de pessoas e muitos mais milhares ficarão marcados para toda a vida.

New York
Washigton
Afeganistão
Iraque
Madrid
Bali
Londres

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